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Os dilemas da remuneração CLT vs PJ

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9 minutos de leitura
Filipe Ducas | Head of Compensation na OLX

Filipe Ducas | Head of Compensation na OLX

Carreira desenvolvida na área de Recursos Humanos, com foco em gestão e desenvolvimento de pessoas, atuando em diferentes culturas e segmentos como investimentos, outsourcing, tecnologia e inovação. Filipe desenvolveu e implementou iniciativas para apoiar e melhorar as estratégias do negócio, elevando o atendimento de RH da empresa. Desenhando melhorias, políticas e liderando projetos em remuneração total (base e variável), Operações de RH, gestão de benefícios, orçamento e controle de custos de pessoal, KPI's estratégicos, transformação digital e people analytics.

As empresas no Brasil possuem diversos formatos de contratação de profissionais. No meio de tecnologia, os modelos mais comuns são CLT e PJ. Cada um dos modelos possui suas vantagens e desvantagens tanto para os profissionais quanto para as empresas. Por isso, neste artigo, focaremos nas nuances dessas duas formas de contratação no cenário das empresas de tecnologia. 

Diferença entre PJ e CLT

A PJ (Pessoa Jurídica) possui uma entidade legal separada da Pessoa Física, com um próprio CNPJ. Isso quer dizer que, quando uma empresa contrata um PJ, está contratando serviços de outra empresa.

Para os profissionais de tecnologia, há três modalidades mais comuns: MEI (microempresa individual), ME (microempresa) e EPP (empresa de pequeno porte). Esses casos são possíveis de serem enquadrados no Simples Nacional, regime de tributação unificada.

A CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) foi criada visando assegurar os direitos e deveres do empregado em uma empresa. Desde sua criação em 1943, a CLT vem sendo modificada para se adaptar ao cenário profissional dos brasileiros. 

No modelo CLT, o empregado possui direitos como:

  • Estabelecimento de horas de trabalho semanais e custo de horas extras;
  • Salário mínimo;
  • Dias de férias remuneradas por ano;
  • 13o salário;
  • Dias de folga durante a semana;
  • Contribuição à previdência social e ao FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço);
  • Direito à rescisão em caso de demissão; 
  • Outros direitos definidos pelo sindicato correspondente.

Porém, hoje em dia é comum encontrar empresas que praticam os mesmos benefícios de CLT, ou parte deles para PJ. Benefícios legais como 13o salário e férias remuneradas, assim como outros benefícios tais quais como plano de saúde, vale alimentação, refeição, entre outros. 

 Veja na tabela a seguir uma breve comparação dos dois modelos: 

COMPARAÇÃO ENTRE MODELOS
PJCLT
Encargos fiscaisTributação geralmente menorTributação geralmente maior
Gestão das responsabilidades fiscais (pagamento de impostos) Responsabilidade do PJResponsabilidade da empresa
Benefícios + 13o salário + férias remuneradasEmpresa não é obrigada a fornecerFornecimento obrigatório pela empresa (dependendo do sindicato)
BônusA combinarPolítica da empresa
FGTSSem direito ao FGTSPago pela empresa, sem desconto na folha de pagamentos
Horário de trabalhoFlexívelControlado (até 44 horas semanais, dependendo do acordo sindical)

Como comparar uma proposta CLT e PJ? 

Quando são comparados os dois modelos, há dois fatores importantes a serem ponderados:

  • Total compensation: ou seja, o pacote total de remuneração oferecido, incluindo salário, benefícios, bônus, férias e 13o. 
  • Flexibilidade do modelo de trabalho: como horários, dias de folga. 

Para uma comparação dos pacotes de compensação total é necessário calcular os valores líquidos que o profissional irá receber. 

No caso de um PJ em tecnologia, normalmente os tributos são calculados a partir do Simples Nacional, onde dependendo do tipo de serviço prestado e do faturamento dos últimos 12 meses, se aplica uma alíquota diferente. Profissionais de tecnologia geralmente se enquadram no Anexo III ou V.

Com o valor da Nota Fiscal definido, que é o valor pago ao profissional, e sua categoria no Simples Nacional, é possível estimar o valor líquido final:

  • A partir da tabela do Simples Nacional, é calculado o desconto do valor da Nota Fiscal. 
  • Deste valor, é destacado o pró-labore, o salário do sócio da empresa PJ, ou seja, o profissional. Seu valor mínimo segue o salário mínimo vigente.
    • Dele é então descontado o INSS (11% do valor do pró-labore, com piso do valor de 1 salário mínimo e teto referente ao valor de 6 salários mínimos). 
    • Uma vez descontado o INSS, é aplicado o IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física), tendo como valor base o pró-labore menos INSS, e assim é calculado o pró-labore líquido. 
  • O valor mensal líquido recebido pelo PJ nesse caso é o valor líquido da Nota Fiscal, menos o valor do pró-labore, somado ao valor do pró-labore líquido. 
  • Já o valor anual líquido é calculado a partir do valor mensal multiplicado por 12 (número de meses). 

Note que alguns cuidados devem ser tomados nesse cálculo:

  • Para a definição da alíquota do Simples Nacional, precisamos nos basear no faturamento dos últimos 12 meses. Neste cenário simplificado, é considerado que o valor da nota se manteve o mesmo nos 12 meses precedentes ao cálculo. 
  • O pró-labore deve ser escolhido de forma que seja o equivalente a um salário de um profissional que exerce o mesmo tipo de serviço. Além disso, o IRPF descontado do pró-labore pode variar com o número de dependentes.
  • O anexo no qual o PJ se enquadra deve refletir a categoria dos serviços prestados e tem grande impacto nos descontos fiscais.

Para um funcionário no modelo CLT, a tributação também varia de acordo com o faturamento anual, mas seguindo outra tabela do INSS e da Receita Federal. 

  • Dado o salário base bruto, são deduzidos os encargos, normalmente já descontados na folha de pagamento:
    • O INSS é calculado com base em uma tabela do Governo Federal, de forma progressiva. Esse valor é descontado do salário bruto. Lembrando que, para um CLT, o valor do INSS não possui piso nem teto. 
    • A partir do valor do salário após o desconto do INSS, é descontado o IRRF (Imposto de Renda Retido em Folha), muito similar ao cálculo do IRPF do pró-labore do PJ. 
  • O salário líquido mensal do modelo CLT é o resultado do valor bruto com desconto do INSS seguido do IRRF. 
  • No caso do CLT, o salário líquido anual é calculado multiplicando o valor líquido mensal por 13.3, referente aos 12 meses de trabalho, 13o salário e ⅓ de férias. Nesse valor também podem ser incluídos o valor recebido em benefícios (plano de saúde, VR/VA, etc) e o bônus.
    • Benefícios: isento de impostos por parte do colaborador. 
    • Bônus: dedução de 22% no IRRF.

Neste caso também é preciso considerar algumas possíveis variações que podem ocorrer no cálculo: 

  • Dependendo do número de dependentes, o valor do IRRF pode variar, com um desconto adicional por pessoa dependente. 
  • Com o surgimento do trabalho remoto, o Vale Transporte (VT), benefício antes obrigatório com desconto em folha, passou a ser aplicado apenas em casos em que há deslocamento do empregado. Como a grande maioria dos profissionais de startups estão em modelo remoto ou híbrido, o VT não foi considerado nos cálculos. 

Com os valores líquidos recebidos nos dois modelos calculados, é possível calcular o pacote total anual (o total compensation). É importante frisar que, dependendo do acordo entre o profissional e a empresa, podem entrar no pacote total do PJ os valores dos benefícios, férias, 13o salário, valores esses que são obrigatórios para o contrato CLT. Alguns também podem incluir no total compensation do CLT o valor do FGTS, que não é descontado do salário, mas é recolhido diretamente com a empresa e é 8% do salário base. 

O segundo aspecto a ser considerado é o modelo de trabalho em si, que tende a ser mais flexível no modelo PJ. Mesmo que algumas empresas ofereçam horários flexíveis para um CLT, alguns profissionais preferem manter um contrato PJ para, por exemplo, reduzir o número de horas semanais acordadas e, assim, poder seguir com um outro projeto em paralelo (sempre lembrando que, dependendo do contrato estabelecido, há exclusividade de serviço do PJ para a empresa). 

Exemplo de cálculo 

Para esse exemplo, vamos supor que um recrutador irá fazer uma proposta a um candidato no formato CLT com um pacote de remuneração já definido. Porém o candidato prefere um modelo PJ. Como saber qual proposta como PJ seria o equivalente à proposta CLT

Vamos considerar o seguinte pacote de remuneração no formato CLT:

  • Salário base mensal: R$ 20.000,00
  • Benefícios mensais: R$ 1.500,00
  • Bônus anual: 3 x salário base (R$ 60.000,00)

Nesse cenário, temos:

Salário mensal
INSS – descontoR$ 828,39
IRRF – descontoR$ 4.403,19
Salário mensal líquidoR$ 14.768,42
Salário mensal líquido + benefíciosR$ 16.268,42
Salário anual
Férias – brutoR$ 6.666,67
Férias – líquidoR$ 4.922,81
13o salário – brutoR$ 20.000,00
13o – líquidoR$ 14.768,42
Bônus – brutoR$ 60.000,00
Bônus – líquidoR$ 46.800,00
Benefícios anuaisR$ 18.000,00
Salário anual líquidoR$ 243.712,23
Salário anual líquido + benefíciosR$ 261.712,23

Assim, no contrato CLT, um colaborador com esse pacote de remuneração ganharia R$ 14.768.42 por mês (R$ 16.268,42 considerando benefícios). Se considerarmos um ano completo desse mesmo colaborador na empresa, tendo direito a férias, 13o e bônus, o pacote anual líquido é de R$ 243.712,23 (R$ 261.712,23 incluindo benefícios). 

Usando nossa calculadora, você pode obter o valor de contrato PJ (ou seja, o valor da Nota Fiscal do PJ) cujo valor líquido equivale ao pacote anual líquido de remuneração do CLT. 

Vamos considerar que, para esse caso, o PJ não terá 13o, férias, bônus e benefícios. Além disso, consideramos que o PJ estará no Anexo V do Simples Nacional e o pró-labore será de 30% do valor da NF. Assim, chegamos num valor de NF do PJ de R$ 28.671,88, que vai gerar um pacote de remuneração anual equivalente ao pacote CLT (com variação de 0.1%).  O resultado em detalhe é mostrado na tabela abaixo:

Salário mensal
Valor da NFR$ 28.671,88
Simples Nacional (anexo V) – descontoR$ 4.785,94
Pró-laboreR$ 8.601,56
INSS – desconto R$ 799,92
IRPF – descontoR$ 1.276,45
Pró-labore líquidoR$ 6.525,19
Valor mensal líquidoR$ 21.809,57
Salário anual
Salário anual líquidoR$ 261.714,84

Mas afinal, qual é o melhor modelo de contratação?

Essa é uma pergunta que várias empresas e profissionais se fazem e que dependerá do cenário das duas partes. 

O modelo PJ pode ser mais econômico para a empresa por seu custo ser exatamente o valor da Nota Fiscal, e mais vantajoso fiscalmente para o profissional, devido aos menores encargos. Além disso, empresas pequenas, como startups em estágio inicial, podem se beneficiar da contratação PJ por demandarem menos gerenciamento de operações da área de Recursos Humanos, como gerenciamento de folha de pagamento, fornecimento de benefícios e férias. 

Porém, é necessário ficar atento para que a relação entre o PJ e a empresa contratante não se assemelhe juridicamente a uma modalidade CLT, resultando em processos ou penalidades fiscais. Por isso é necessário ficar atento a respeitar os requisitos exigidos por lei.

Com o crescimento da empresa e consequentemente maiores interações que podem caracterizar vínculo empregatício, o modelo CLT se torna mais interessante, uma vez que existe uma operação de RH para gerenciar todas as obrigações como contratante. Desta forma, mesmo com um custo maior por empregado (em comparação a um PJ com mesmo salário base o custo do modelo CLT é em média o dobro), os riscos de processos trabalhistas são mitigados. O momento para passar todos os contratos para CLT varia de acordo com a estratégia de cada empresa, mas é conhecido que empresas de tecnologia, por aceitarem mais riscos no geral, costumam ter essa transição mais tarde. 

No momento da transição de modelo PJ para CLT é necessário levar em consideração o impacto no salário líquido do colaborador, assim como possíveis adicionais benefícios podem mitigar esse impacto.

Algumas empresas tentam manter o mesmo salário líquido que o colaborador recebe como PJ, na conversão para CLT. Essa prática, além de ser mais atrativa do ponto de vista do colaborador, gera um custo maior que o padrão de conversão (de duas vezes o salário base) para a empresa. Pois além da onerosidade fiscal sobre o salário e todas as verbas trabalhistas, ainda tem a adição dos custos de benefícios.

Por esse motivo, o momento adequado para para realizar a transição de PJ para CLT deve não apenas levar em consideração o estágio de maturidade da empresa, como também sua liquidez financeira.

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